sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Recanto

Nosso recanto recebe com pedido: “Quem vier, de onde vier, venha em paz...”. Capricho de mamãe, mas que orienta. E segue mais: “Não jogue lixo no chão, chão é pra plantar semente”; “Não pule na água daqui, você poderá se machucar!” e vai. O menos obedecido é fácil prever, porque graça de represa é pular de bomba e de mergulhão e quando o assunto é farra, obediência desfica.
O luxo lá é o aconchego rural e o muito amor que se pode ver. É um lugar onde a gente se descobre ao perceber o que rodeia. Foi minha ensinança de que neon alaranjado é sol poente e que flash é relâmpago descente. Nessa observância pude ver que só o céu dali é azulberante, e que até seu turvado – quando é tempo dele regar a roça – tem aquela beleza de firmamento. Ademais porque é nesse momento que o pasto enverdece, a horta ematece e a passarada emudece pra depois irromper em renova cantoria.
Se o aguaçal exagera, a terra faz morro pra dentro e o represado transborda fazendo vazar água e lambari. Quando o aguaceiro seca todo o pasto vira um lambarizal – porque lambari não é peixe grande o suficiente pra se segurar na represa, nem pequeno o bastante pra nadar no meio da grama – e acaba que vem o sol e eles morrem de calor e falta d’água. Se um corre pra tentar salvar os bichinho’, não adianta muito, mas também não atrasa, porque os poucos que são salvos, ‘tão salvos e pra eles valeu.
No recanto, além de peixe, galinha (umas da Angola), ganso, pavão, peru, passarada que revoa e cavalo, tem também um tanto de gado inteiro, mas que meu pai conta só pelas cabeças. Imagino que seja porque cabeça de boi é de alardear, já que chifre... é chifre... Quando o boi não tem cornos, imagino que por só tradição, a contagem não muda e continua valendo apenas o coco.
Se gente urbana chega ao recanto, logo se vê a alegria quando ela avista uma calçada ou um cimentado. Claro que isso eu passo, porque além de salvar seu tênis em rápido, também brota aquela sensação de reencontro com ela mesma e sua origem – como se o homem tivesse vindo do concreto! – e é igual assim que me sinto quando em cidade miro um mato e mais sorrio, principalmente em havendo passarinho. Sei que ali me correspondo.
Nosso recanto não cabe num papel, nem numa tela, mas cabe no olho apertado pelas pálpebras, que é a relembrança de quem passou, repassou e ali sorriu.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como posso vender um lugar assim?
beijos

Anônimo disse...

Só não pode.
Beijos